quarta-feira, 26 de junho de 2013

Queria tanto encontrar uma saída que acabou por encontrar uma entrada... ou a estória de uma porta.

Bem-haja caríssimos!
Hoje escrevo-vos a partir da minha varanda, de onde consigo ver muitas portas, mas principalmente de onde consigo mirar uma porta muito singular que me contou a sua estória. Ela abre e fecha, corre e desliza, até sobe e desce, para que da melhor forma o que quiser passar por ela o faça sem pensar conscientemente no que está a fazer. Perguntava-me como é que uma só porta consegue fazer tantos movimentos e permitir tantas passagens, mas no dia em que a ouvi percebi de imediato o que se estava ali a passar. disse-me ela:
- Pssst! Ei tu, o que estás tu aí a fazer do lado de dentro dessa porta?
Eu, que me senti tocado, mas mais ainda intrigado, por aquelas palavras lá lhe respondi: - Eu estou do lado de fora, na varanda a espreitar o mundo.
- Não estás nada do lado de fora, que mania a vossa de olhar para as portas ao contrário! Gostavas que te virasse ao contrário e te fizesse caminhar com as mãos?
- Obviamente que não, só uma porta para ter uma ideia tão peregrina... mas explica-me lá isso de eu estar do lado de fora ou dentro, que até já me sinto perdido.
- Foram vocês que nos criaram e no instante imediatamente a seguir confundiram-nos a vida e a vossa vida. Quem passa por uma porta sai de um lugar, certo?
- Tão certo como eu me chamar Miguel. Já agora, tens um nome?
- Quanta consideração, tenho sim, chamo-me Porta, como todas as portas, todavia diferente dos Portas. Mas continuando, se estás a sair de um lugar, estando ainda nele, estás dentro dele, certo?
- Posto assim, continua a ser certo.
- Mais uma coisa, "rua" é sinónimo de "fora", quero dizer, significam a mesma coisa?
- Essa é uma boa pergunta! já deves ter ouvido dizer que o português é uma língua traiçoeira, por isso a resposta a essa pergunta é complicada.
- Eu só quero que me digas se quer dizer a mesma coisa!
- É assim, "rua" pode ser todo o percurso ladeado por casas ou local por onde se pode caminhar, mas também pode significar "põe-te daqui para fora" quando mandamos alguém para a "rua".
- Quase que me apanhavas com essa, eu a tentar convencer-te que a "rua" pode ser dentro, porque sempre preferi estar aberta para o maior dos locais, e ia esquecendo que só se está dentro antes de sair.
- Estás a ver, eu percebo o que me estás a ensinar, estar na rua é estar dentro desta cidade, deste país, deste mundo, mas significa também estar fora de algum lugar - estar fora de casa, fora da vista de alguém, fora de um espaço de conforto. É como na vida, quando julgamos estar a sair, por vezes já estamos a entrar ou mesmo dentro de alguma coisa ou da vida de alguém. Porque se é verdade que dentro ou fora de um espaço é algo físico, a realidade que lhe atribuímos é outra coisa bem diferente.
- Começo a tentar ensinar e vou acabar a aprender...
- Permite-me interromper, deixa cair o tentar, porque sem esta conversa até a mim me passaria despercebida a tua existência ou o facto de neste momento eu estar dentro.
- É que sempre me senti injustiçada, porque hei-de eu fechar para guardar mais esta casa pequenita e menos ou mesmo nada a rua? Abro e fecho para a rua, porque não merecer a mesma consideração?
- Nós, quando olhamos para trás, assim como para o passado, preferimos dizer que se fechou uma porta, quando aquilo que se fecha não é mais do que o abrir de uma coisa nova que sem a sua antecessora não poderia existir.
- Acho que me compreendes!
- Eu compreendo, mas daqui a alguns segundos vou voltar a pensar de uma forma muito simples e talvez olhe para ti como uma simples porta que fecha algo.
- Que assim seja, porque agora sei que algures aí no fundo sabes que essa é só metade da minha utilidade.
- Sei eu e sabem as restantes pessoas que por ti passam, mas nós não conseguimos viver com tudo presente e mais vezes preferimos colocar o futuro no presente que o passado. Talvez é por isso que a História é cíclica, porque o que hoje desejamos do futuro não é muito diferente do que outros já desejaram. O caminho já escolhido será novamente percorrido e se esteve um dia cravejado de erros, eles não vão desaparecer só porque é outra pessoa a caminhar.
- Olha, tenho que me abrir, espero voltar a falar contigo outra vez.
- Também o espero, até breve.

Beijos e até já!